sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Abra-te

A porta estava trancada. Sentou-se vagarozamente, o medo não permitia que a tela, tão diáfana para alguns, fosse tal qual a ele. O brilho enchia sua face com a juventude exposta em tecnologia. Suas digitais eram gastas incessante e idoneamente, a fim de que ficasse afim com alguma nova expectativa que surgira num dia de chuva como hoje.
A brisa aumentara e rajava na tormenta tornando o quente corpo frio e impermeável. Afinal a chuva caia sem o molhar. A porta estava trancada. A chuva não passava pela vidraça vedada e escurecida pelo breu trazido por blecautes espalhados pelo quarto.
Antes de começar, verificou a porta outra vez. Teve certeza de que estava isolado do resto, sozinho, consigo mesmo e sem dó, apenas só, partiu. Foram quase cem minutos sem piscar, cem lágrimas, sem choro. Centenas de coisas passaram por sua cabeça, seus amores, devaneios, das cartas aos beijos, das promessas aos cheiros. Lembrou-se dos planos, dos meses, dos dias, das horas e dos minutos que perdeu ou ganhou por sentir o que alguns arriscam chamar de amor. A porta estava trancada e ninguem podia ouvi-lo. O mundo era só dele, e seu mundo era aquele. Piedoso, impetuoso, real e ficticio, desigual e antitésico numa fiel semântica, provável física quântica, memória influenciada pelos cem minutos sentidos e absortos feito algodão.
Por que as coisas dão certo aos outros e não a mim - pensou. A porta tentou abrir-se cortando sua maré sentimental dos cem minutos sentado sem ao menos se lembrar de que sem a chave a porta não era aberta.
- Abre a porta? - disse alguém.
Preferiu não responder, não queria ser incomodado diante das venialidades explanadas e das iluminuras cinéfilas que extrapolavam as imagens assistidas.
- Abre. Eu quero entrar.
Preferiu não responder. Não queria abrir. Não tinha jeito, restavam poucos dos cem, mas que sem os poucos de jeito algum aquela porta seria aberta. Dela, ouviam-se algumas vozes. Vozes que por sí sós espalhavam-se diante dos filetes de madeira, dos cupins, dos choupins que entregavam-se na vastidão do desamor.
A porta estava trancada.
Os cem minutos esvaziavam-se, desvairavam-se e eram aniquilados pelo tempo que correra num piscar de olhos depois de estar por cem momentos sem piscá-los. De repente levantou-se. Olhou para si próprio, piscando mais cem vezes, sem parar. Debilitado de força física, provou a sí proprio que era insólito perante os olhos de tantos - e muitos. Revidou um soco dado por ele mesmo noutro dia depois de sentir-se sozinho. Sabe, acho que foi deveras suficiente para que uma retrospectiva percorresse seus olhares e sob estes, por fim, tomou a difícil decisão do dia - quiçá da vida.
A porta não estava mais trancada.
Cercada por outrem apoiado em sorrisos brancos refletidos no verde intimado, por tanto procrastinado, inalado em cem vezes sessenta segundos de esperança, agora sim, a porta estava aberta.

2 comentários:

  1. acho que a solidão nos força a olhar pro nosso umbigo e assim crescer um pouco...

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  2. Sim, concordo com o comentário acima, solidão, mesmo num relacionamento, é necessária, nos faz olhar para nós mesmos e praticar a reflexão

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