segunda-feira, 16 de novembro de 2009

De tão perto, distante.

O corpo suado já não surtia mais prazer. O calor curtido naquele quarto mofado onde as paredes gemiam ao anoitecer fora-se para outro corpo qualquer, que àquela porta, cuja dobradiça enferrujava num grunhido agonizante, deixava não só seu prazer em forma de ancestrais dentro dela, mas também a esperança de que todo aquele tormento terminaria.
Seus cabelos loiros, falsos de fetiche; suas raízes, negras como breu. Eclipse o qual entranhava os sentidos, gritos de quem paga, omissões de quem sofre. Corpo que seduz, sentidos que aguçam, pernas torneadas onde saltos e saias delimitavam o percurso a ser seguido. Uniformemente o uniforme era aquele. O menos possível para causar a máxima repercussão possível.
Rotina incisa, que incessantemente tornava o dinheiro ora dentre o sutiã, ora dentre o espartilho, repetia-se, indubitável e pleonasticamente por todas as madrugadas. A troca de olhares, a revista clínica, a troca de palavras – sempre breves -, o quarto, os lençóis, as expressões, as calças que iam ao chão, vestimentas jogadas e o jogo que começara com um fim marcado e sabido.
Franca franqueza da fraca mulher, afiada feito faca, frágil com sua farda, fabulosa ousadia. Tremendo poderio, que transformava prazer em reais. Discrição era lei, promiscuidade idem. Palavras não tão carinhosas entreolhavam-se perante o colchão, escalavam o travesseiro, agrupavam-se por frases até os ouvidos dela.
- Cachorra, vagabunda - Sente aqui, vadia - Desce logo, engole tudo.
Falsos prazeres, mascarados por fantasias da morte. Morrer seria procrastinado pela súbita morte de não poder cometer seu próprio suicídio. No entanto, depois de longos árduos anos de sensualidade, ela já não era mais a mesma. Certo vulgar a engravidou, certa barriga crescera, certos seios caíram, certa excitação pôs-se um fim em si própria.
Anos que corriam e lá estava ela, na mesma rua a espreita da espera. Um trocado já bastava. A saia estava justa, sinal de coxas grossas? O sapato lascado, sinal de trabalho? O espartilho já enfraquecera os elásticos de ferozes e vorazes mordidas de caras quaisquer. Sinal de sacrifício.
Estava decidido. Anos de sacrifício finalmente trariam uma recompensa: o seu sacrifício. Era cedo, o sol ainda intimidara-se pelo desgosto de ver encenação de orgasmos voluntários. O jorro do prazer ainda estava dentro dela, o filho de doze anos ainda estava a dormir. Com uma arma apontada na nuca, ela, sem nome, finalmente conseguiu ser feliz. Longe daqui.

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